10 perigos em pesquisas: Artigo 1 - O Perigo da Má Formulação das Perguntas

SPHINX Brasil • 2 de junho de 2025

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10 perigos em pesquisas: Artigo 1 - O Perigo da Má Formulação das Perguntas

A formulação de perguntas constitui o alicerce metodológico de qualquer survey, determinando a qualidade e validade dos dados coletados. Perguntas mal elaboradas podem comprometer irreversivelmente toda a pesquisa, introduzindo vieses sistemáticos e produzindo informações imprecisas ou distorcidas. Este fenômeno representa um dos principais desafios enfrentados por pesquisadores em ciências sociais, exigindo rigor teórico e técnico na construção dos instrumentos de coleta.


A teoria cognitiva da resposta em surveys, desenvolvida por Tourangeau e Rasinski (1988), identifica quatro processos mentais envolvidos no ato de responder:

  • compreensão da pergunta;
  • recuperação de informações da memória;
  • julgamento e;
  • edição da resposta. 


Cada etapa pode ser comprometida por problemas na formulação, criando oportunidades para erros sistemáticos.


A má formulação manifesta-se principalmente através de dois mecanismos: ambiguidade linguística e viés direcional. A ambiguidade ocorre quando termos-chave admitem múltiplas interpretações, enquanto o viés direcional surge quando a pergunta sugere uma resposta específica ou carrega conotações valorativas.


  • Ambiguidade: Palavras ou frases com múltiplos significados, ou que são vagas, levam a diferentes interpretações por diferentes respondentes. Por exemplo, perguntar "Você usa frequentemente as redes sociais?" – o que "frequentemente" significa? Para um jovem, pode ser várias horas por dia; para um idoso, algumas vezes por semana. A consequência é a coleta de dados inconsistentes e incomparáveis.
  • Viés de Aquiescência: O viés de aquiescência refere-se à tendência dos respondentes concordarem com afirmações independentemente de seu conteúdo. Perguntas formuladas apenas em formato afirmativo ("Você concorda que...") são particularmente suscetíveis a este problema. A solução envolve balancear afirmações positivas e negativas, forçando processamento cognitivo mais cuidadoso.
  • Questões Duplas: São perguntas que abordam dois ou mais tópicos distintos, mas só permitem uma única resposta. Exemplo: "Você acha que o governo deveria investir mais em educação e saúde?". O respondente pode concordar com o investimento em educação, mas não em saúde, ou vice-versa, ficando sem uma opção adequada para expressar sua opinião real. Isso resulta em dados confusos e de difícil interpretação.
  • Perguntas Tendenciosas: São formuladas de maneira a sugerir uma resposta desejável ou a embutir uma opinião. Exemplo: "Você concorda com a maioria dos especialistas que a política X é prejudicial?". A menção à "maioria dos especialistas" pressiona o respondente a concordar. Esse tipo de pergunta compromete a objetividade e gera dados enviesados.
  • Pressuposições Não Verificadas: Muitas perguntas incorporam pressuposições sobre experiências ou conhecimentos dos respondentes. Perguntar "Como você avalia o desempenho do programa X?" pressupõe conhecimento sobre tal programa. É essencial incluir perguntas filtro que verifiquem a aplicabilidade antes de solicitar avaliações específicas.
  • Perguntas Carregadas Emocionalmente: Utilizam palavras com forte conotação emocional que podem influenciar a resposta. Exemplo: "Você é a favor do abate brutal de animais para consumo?". A palavra "brutal" evoca uma emoção negativa.
  • Escalas de Resposta Inadequadas (para perguntas quantitativas): Escalas desbalanceadas (mais opções positivas que negativas), com poucos ou muitos pontos sem justificativa, ou que não incluem opções neutras ou "não sei/não aplicável" quando pertinentes, podem forçar o respondente a escolher uma opção que não reflete sua real posição.
  • Perguntas Qualitativas Excessivamente Fechadas ou Vagas: Em perguntas abertas, se a formulação for muito restritiva, ela pode não permitir a exploração profunda que se espera. Se for excessivamente vaga (ex: "Fale sobre sua vida."), pode gerar respostas dispersas e difíceis de analisar. O timing das perguntas abertas também é crucial. Posicioná-las após muitas perguntas fechadas pode induzir fadiga e respostas menos elaboradas. Alternativamente, iniciá-las muito cedo pode contaminar respostas subsequentes através de efeitos de priming.
Sphinx iQ3

Estratégias para contornar:

  • Clareza e Simplicidade: Use linguagem clara, direta e acessível ao público-alvo. Evite jargões, siglas e termos técnicos, a menos que sejam comuns ao grupo estudado e explicados.
  • Pré-testes cognitivos: baseados no método think-aloud, permitem identificar problemas de interpretação antes da coleta principal. Respondentes verbalizam seus processos de pensamento ao responder, revelando ambiguidades e dificuldades de compreensão não antecipadas pelo pesquisador.
  • Estabilidade: Aplicar o mesmo questionário a amostras similares em momentos próximos (test-retest) pode revelar instabilidades nas respostas que indicam problemas de formulação. Variações significativas sugerem que as perguntas estão sendo interpretadas inconsistentemente.
  • Uma Ideia por Pergunta: Desmembre questões duplas em perguntas separadas.
  • Definição de Termos Ambíguos: Se um termo potencialmente ambíguo for essencial (como "frequentemente"), forneça uma definição ou uma escala de referência (ex: "Com que frequência você usa redes sociais: Menos de uma vez por semana, 1-3 vezes por semana, diariamente por menos de 1 hora, diariamente por 1-3 horas, diariamente por mais de 3 horas?").
  • Foco nas Perguntas Qualitativas: Para perguntas abertas, certifique-se de que sejam específicas o suficiente para guiar o respondente, mas abertas o bastante para permitir respostas detalhadas e ricas. Por exemplo, em vez de "Fale sobre sua experiência com o transporte público", poderia ser "Descreva um dia típico utilizando o transporte público na sua cidade, mencionando os aspectos positivos e negativos que você vivencia."
  • Considerações Culturais e Contextuais: A formulação de perguntas deve considerar particularidades culturais e linguísticas da população estudada. Conceitos que são claros em determinados contextos podem ser ambíguos ou inexistentes em outros. Pesquisas transculturais exigem adaptação cuidadosa, não apenas tradução literal.


A má formulação de perguntas representa uma ameaça fundamental à qualidade da pesquisa social, afeta diretamente a validade de construto (se você está medindo o que realmente pretende medir) e a validade interna (a confiabilidade das relações encontradas).


Dados coletados com perguntas falhas são, na melhor das hipóteses, inúteis e, na pior, enganosos, levando a conclusões errôneas sobre o fenômeno social estudado. Pesquisadores devem reconhecer que tempo dedicado à formulação cuidadosa é investimento essencial na qualidade e na integridade de toda a pesquisa.

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